Um dia normal no metro

 Mais um dia de trabalho entrei as 10 da manhã e sai as 23, mais estafada era impossível. 

 Nesse dia de manhã tinha visto um Post incrível no Instagram todo feminista, senti-me super poderosa, decidi abusar com um decote porque posso, ponto. 

 Isto não é para justificar o que aconteceu mas para perceberem o quão mal eu me senti, o quanto eu senti que abusaram de mim e como este episódio me marcou, muito mais do que se estivesse com uma camisola de gola alta, toda tapada. 

 Sai do trabalho e ainda fui apanhar o metro. Tive que andar 45 minutos até à paragem e mais outros tantos até casa, já dentro do metro. 

 Reparei num sujeito que estava na paragem porque estava a olhar para mim e tinha um aspeto peculiar, assim mais velho com os seus 65 anos, careca, mais baixo e meio corcunda. Entramos os dois no mesmo metro, ele senta-se à minha frente e continua a colar o olhar em mim, aquele olhar que muitas mulheres perceberão a descrição, de quem nos está a violar com os olhos ( não estou a descriminar os homens, que alguns terão passado por situações de abuso muito chatas também e lamento mas nós mulheres sofremos destes pequenos abusos diariamente e muitas vezes escalam para abusos mais graves).

 Olhei para ele completamente perturbada e notava-se, continuou sem descolar o olhar. 

 Eu, se não me sinto bem numa situação, se puder evito, portanto, mudei de carruagem e sendo a última fiquei-me por aí. 

 Da posição onde ele estava não me conseguia ver mas quando o metro virava , conseguia e fez questão de continuar a olhar. 

Estava já em pânico por dentro a querer ir-me embora , e se não fosse ser tão tarde tinha trocado de metro. 

 Finalmente , ele levanta-se, percebi que ia sair, um alívio gigante dentro de mim, mas calma, ainda não acabou. 

 Ele levanta-se, segura-se no poste com uma mão, não vá cair, e enfia a outra mão dentro das calças ( não em nenhum bolso), mesmo no meio das calças a olhar para mim.

 A minha única reação, porque sou completamente pacífica, se calhar até demais, foi mostrar-lhe o dedo do meio que ele respondeu ,enquanto saia do metro, com “anda , anda”. 

Algumas pessoas não vão perceber porque provavelmente nunca passaram por tal, nunca sentiram estes abusos que podem não parecer nada mas refletem-se nas nossas vidas e derepente são muito. 

 Eu cheguei a casa há 01 da manhã, estava tudo a dormir, não falei com ninguém nesse dia, só chorei porque não fui violada mas de certa forma fui. 

Reportei o sucedido na polícia e, para grande espanto meu, trataram-me bastante bem. O polícia que me ouviu a fazer a queixa  foi extremamente compreensivo e profissional, percebeu que não era fácil contar isto, pediu desculpas sempre que me pedia para repetir algo ou explicar melhor alguma coisa e no fim disse que fiz bem em ter feito queixa.

  Esta situação marcou-me e mesmo que não marcasse é importante apresentar queixa, alguém que faz o que ele fez, faz algo pior um dia, para além que me soube muito bem falar com a polícia, mesmo que não dê em nada, tranquilizou-me. 

Mas mesmo assim, apanho o metro todos os dias e passo pela paragem onde ele saiu bastantes vezes e de todas as vezes tenho um medo gigante de o encontrar. Já não penso tanto nisso, mas estive uns dias sem querer sair de casa e a ir-me abaixo por ir apanhar o metro. E ainda entro em pânico quando vejo alguém que me parece ser ele. 

 Portugal é dos países mais seguros, sempre consegui sair a noite e andar pelas ruas sozinha se for preciso mas a nossa sociedade ainda é bastante machista, está a mudar verdade, mas ainda falta mudar muita coisa. 

 O metro não estava vazio, estava lá mais gente e ninguém se indignou com isto.

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